Lisboa num só dia

Zona J – Um bairro igual aos outros

“Tenha cuidado com os pretos e os ciganos”, foi logo o aviso dado para quem entra no bairro.

As realidades de um passado transmitem ao presente os seus mitos e interrogações quanto à Zona J. Na comunidade local encontra-se vestígios de um clima de desconfiança por parte de alguns habitantes face aos desconhecidos que por ali passam. O oposto também acontece, os visitantes têm como ideia de fundo alguma negatividade e esperam um bairro hostil. Mas quando se conhece mais o interior do bairro, depara-se com uma comunidade acolhedora que nos desmistifica a nossa ideia pré-concebida.

Dona Mariana faz as compras do dia-a-dia

Dona Mariana faz as compras do dia-a-dia

Dona Mariana, reformada de 74 anos, mora no bairro há 36 anos e ultimamente só tem saído à rua para ia às compras e garante que não se sente receosa de andar pelas ruas sozinha, ”quando saio há rua não levo muito dinheiro, também tenho pouca mas aqui toda a gente me conhece, já estou cá há muito tempo, sou a tia Mariana… ninguém me faz mal”.

Apesar desta confiança tem a noção dos riscos que o povo da zona está sujeito, “há pessoas que gostam de entrar na casa dos outros, agarrar as chaves das casas alheias e fazer maldades, mas isto é um bairro não é? O bairro e a câmara não têm culpa de ter pessoas assim”.

A senhora não se imagina a viver noutro lugar, diz que está habituada ao bairro e às pessoas. “Eu gosto deste bairro porque estão cá muitas pessoas minhas conhecidas e colegas que trabalharam comigo na firma de limpeza.”

O certo é que todos os habitantes têm a consciência de que é um bairro necessitado de muitas melhorias a nível social e económico-cultural. “O que falta aqui é civilização”, refere a residente.

As necessidades por ser uma zona barata ou até mesmo amor ao bairro, são alguns dos factores pela qual as pessoas o preferem.

Gabriel- os dois amigos depois deum jogo de futebol -Nuno

Gabriel- os dois amigos depois de um jogo de futebol -Nuno

Outros, como é o caso do Gabriel Cruz e o Nuno Lopes, não têm escolha, praticamente nasceram na zona, vivem no bairro há 15 anos sem nunca terem tido outra oportunidade de experimentar viver noutros locais. Eles gostam, estão habituados desde sempre às rotinas, aos ambientes e às pessoas.

Os estudantes garantem que nunca lhes aconteceu nada de perigoso mas contam sempre com uma palavra de alerta por parte dos pais, principalmente á noite.

“Nunca me aconteceu nada aqui, isto é um bairro igual aos outros, eu gosto de cá viver “, diz Nuno “é um bairro como os outros, só que às vezes a policia vem cá só mesmo para armar confusão”, acrescenta o amigo.

Um dos aspectos que mais gostam naquele local é os espaços de convívio como os cafés e as associações: Marvilla Jovem e a Associação de Moradores, ”encontro-me com os meus amigos aqui no bairro e vamos jogar à bola seja de noite ou dia”, diz o Gabriel.

É notável o gosto que os adolescentes sentem pelo local, defendem-na e recomendam: “As pessoas têm receio de vir para esta zona, se calhar porque viram o filme que fizeram aqui há uns anos: a zona j, mas não deviam ter medo, isto não é como no filme”, afirma o Gabriel.

Eles pedem pouca coisa para o bairro. O Nuno quer mais e melhores prédios e o Gabriel quer mais campos de futebol com melhores condições. Pode ser que a Câmara considere.

Senhor Augusto passa mais uma tarde no habitual café na companhia do seu único vício

Senhor Augusto passa mais uma tarde no habitual café na companhia do seu único vício

Com mais anos de vivência no bairro é o senhor Augusto Almeida de 58 anos. Vive na zona há 40 anos e os seus hábitos depois de reformado foram sempre os mesmos, a paragem no “café cervejaria cubana” é diária e o seu cigarrinho é a companhia para passar o tempo “Agora venho sempre para aqui mas nem antes nem agora tive problemas, sou muito conhecido aqui na zona, ando à vontade e ninguém me faz mal. A malta da droga é que arma mais confusão mas isso já se sabe, é como em todo o lado”.

Nunca teve problemas mas….”também não dou confiança só falo para os meus amigos”.

A dona Mariana e o senhor Augusto Almeida transmitem muita segurança de que nada lhes acontece, no entanto têm noção de que é preciso ter algumas precauções, “o que eu oiço dizer é que esta zona, o bairro das torres é a pior mas como eu não tenho razão de queixa não sei. O pessoal devia ser mais calmo e que larga-se essa porcaria da droga, talvez assim o bairro não ficaria com tanta má fama.”.

A antiga Zona J mudou de identidade, chama-se agora Bairro do Condado, mas não foi só o nome que mudou, as características de vandalismo e de grupos “marginais” também se alteraram para um bairro social, onde há espaços verdes, locais de desporto, centros de convívio para jovens e idosos e instituições de apoio.

Senhor João

Senhor João Reis

O alegado 1ºjornalista estrangeiro a pedir asilo político em Portugal, João de Sousa Reis de 64 anos, vive no local há 19 anos. Regressou de Angola para fazer companhia à mãe após a morte do pai.

O morador é muito optimista em relação ao futuro e mudanças que o bairro está vindo a ter. “Já foi a zona J, é preciso que as pessoas fixem isso, antes os barulhos e tiros eram muitos agora já não há muitas confusões, o comportamento das pessoas mudou bastante, este bairro tem evoluído muito positivamente, as pessoas começam a ter uma consciência de afinidade umas com as outras, preocupam-se mais com o bem-estar de toda esta sociedade.”

Agora conseguimos ter esta perspetiva e antigamente como era? “ Há uns tempos era só pancadaria, roubos, tiros, isto aqui era o muro de Berlim, agora a zona é mais situada e a junta de freguesia trabalha muito bem. Acolhe, organiza e põe as pessoas no situo certo, isso é óptimo, têm carinho por esta zona.”

No entanto apesar de todos estas processos evolutivos, o senhor João gostava que “que todos tivessem casas aptas para viver e que construíssem aqui um grande pátio coberto.”

Além do alerta que foi dado e que referi logo no inicio, o morador dá o último conselho, “as pessoas mais idosas não apontem o dedo aos mais jovens, se eles erram, então que os ensinem, que os ajudem.”

“É um bairro como os outros”, foi a frase dita por todos. As opiniões das diferentes idades são unânimes e podemos ter mais certezas de que a Zona J tem agora uma nova vida.

Curiosidades: Chelas e Zona J

Curiosidades: Chelas e Zona J

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Andreia Rodrigues

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